Projeto Noleedi revela efeito do fogo sobre plantas do Pantanal e Cerrado

em 1 de junho de 2023

 

Ave se alimenta do fruto do timbó-do-cerrado (Magonia pubescens). Foto: Bruno Henrique Ferreira

Uma nova pesquisa do Projeto Noleedi – Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação está em fase de conclusão. A autoria é do biólogo, mestre em Biologia Vegetal e doutorando em Ecologia e Conservação pela UFMS, Bruno Henrique dos Santos Ferreira. Em sua tese de doutorado, o pesquisador monitorou os potenciais efeitos do fogo sobre a disponibilidade de flores e frutos que são recursos importantes para manutenção da fauna no Pantanal e no entorno, no bioma Cerrado.


Orientado pela professora doutora Letícia Couto Garcia, Ferreira iniciou sua tese de doutorado em 2019 e monitorou por dois anos as fases de floração e frutificação de diversas espécies (tanto arbóreas quanto outras formas de vida de plantas) na Terra Indígena Kadiwéu. Essas espécies tiveram indivíduos marcados em parcelas distribuídas na paisagem da Terra Indígena, em áreas que estão sujeitas aos diferentes regimes de fogo e inundação, considerando como regime de fogo o período do ano e a frequência, que é o número de vezes que aquela área queima dentro de uma série histórica monitorada através de mapeamentos.

Bruno Henrique Ferreira. Arquivo pessoal 



Alguns dos capítulos da tese de Ferreira já foram publicados. Mais recentemente, um manuscrito que é o principal de sua tese trata da fenologia (estudo de como a planta se desenvolve ao longo de suas diferentes etapas) de floração e frutificação das plantas da Terra Indígena. “Nesse trabalho a gente verifica que a complementariedade entre diferentes formas de vida vegetais, entre plantas que são árvores e as não arbóreas, é muito importante para assegurar ali a disponibilidade de recursos para manutenção da fauna nesses ambientes que são propensos a incêndios e também eventos de inundação. Quando esses recursos faltam em uma área, eles estão disponíveis em uma área vizinha adjacente que não tenha sido queimada ou que não está inundada naquele período ou algo similar”, revela o pesquisador. O manuscrito da tese de doutorado lembra que na Terra Indígena Kadiwéu, devido a todos estes fatores, inclusive com o Manejo Integrado do Fogo, não chega a acontecer um período de acentuada escassez de recursos devido a essa complementariedade entre as formas de vida e entre as diferentes áreas que compõem a paisagem. “A gente dá uma série de recomendações técnicas relacionadas ao Manejo Integrado do Fogo em áreas que são sujeitas a inundação, em áreas úmidas, e para outros territórios que possam ter características similares ao Território Indígena Kadiwéu, de como então fazer a manutenção dessas áreas e, no caso, a gente sugere a diversificação nos regimes de queima pensando aí numa estratégia de assegurar essa disponibilidade de recursos, evitando assim, por exemplo, períodos de escassez que poderiam ser prejudiciais, que poderiam dificultar, por exemplo, a recolonização, a manutenção da fauna inclusive em eventos pós-queima”, esclarece Ferreira. Este artigo já está disponível para download para interessados e também foi publicado na revista científica internacional Journal of Environmental Management, publicação muito relevante nessa área, dando um grande impacto, notoriedade e visibilidade para a pesquisa. 


Brigadista Kadiwéu, Silvio Xavier, atuando na pesquisa do Projeto Noleedi. Foto: Fernanda Prado



Bruno Ferreira ainda ressalta que a Terra Indígena Kadiwéu é bastante relevante no contexto histórico e cultural do Estado de Mato Grosso do Sul e do Brasil, sendo uma área bem interessante de ser  pesquisada. O Projeto Noleedi tem o envolvimento cultural e social com com os Kadiwéu, que contribuíram muito com todos os trabalhos e continuam ajudando com as pesquisas localmente. O Noleedi considerou os aspectos culturais dos Kadiwéu desde sua idealização e valoriza a notoriedade do papel desse povo não só na contribuição com as pesquisas acadêmicas que vêm sendo realizadas mas também com o excelente papel de Manejo Integrado do Fogo que eles desempenham no território. “As ações de manejo, que são adaptativas e preventivas, realizadas no Território Indígena Kadiwéu, são um serviço prestado por brigadistas Kadiwéu do próprio território, que têm mostrado uma eficácia muito significativa no sentido de reduzir os riscos de grandes incêndios. Isso a gente percebe tanto na comparação de mapeamentos do período pré e pós instalação da brigada e das atividades da brigada, mas também com os resultados que a gente obteve pelo monitoramento do funcionamento da vegetação quanto à produção de flores e frutos, que não chega a se prejudicada nem mesmo nas áreas que nós consideramos como sob alta recorrência de incêndios. Isso, sem sombra de dúvida, tem certa influência do manejo e da forma como essas áreas são tratadas e dá essa visão importante do papel de preservação dos Territórios Indígenas no Brasil, bem como da manutenção de brigadas que prestam esse tipo de serviço, que precisam ser serviços contínuos porque é muito importante que essas ações de prevenção a grandes incêndios, essas medidas adaptativas para o território, sejam realizadas anterior mesmo às estações de fogo, aos períodos críticos que geralmente ocorrem por volta de julho, agosto, setembro”, esclarece Ferreira.

Lippia lupulina. Foto: Bruno Henrique Ferreira

O pesquisador lembra que novas pesquisas do Projeto Noleedi serão publicadas em breve e logo estarão se integrando em novas publicações mais abrangentes e multidisciplinares como, por exemplo, sobre a interação entre plantas e animais. Ferreira conclui ressaltando a importância de investimentos em pesquisas científicas em prol de produção de conhecimento para manejo de áreas sujeitas a incêndios e propensas a inundação.


O “Projeto Noleedi – Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação” é uma iniciativa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que pesquisou os efeitos do fogo no Cerrado e Pantanal. O projeto iniciou em janeiro de 2019 e foi executado na Terra Indígena Kadiwéu, que possui cerca de 540 mil hectares localizados no norte do município de Porto Murtinho, sudoeste de Mato Grosso do Sul.


Confira: 

Veja o vídeo de apresentação do artigo de Bruno Henrique Ferreira, disponibilizado no canal do Projeto Noleedi, no Youtube.

A diversificação de regimes de fogo no Pantanal visando a disponibilidade de flores e frutos




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