O Projeto

Projeto Noleedi 

Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação


O fogo pode ser considerado um distúrbio ao meio ambiente que pode prejudicar algumas e beneficiar outras espécies. Ambos resultados dependerão da época, intensidade e frequência sendo que seu uso indiscriminado tem levado à grandes prejuízos ambientais em escala global. Por outro lado, os incêndios naturais são componentes integrais dos ecossistemas e, tradicionalmente, povos indígenas têm utilizado o fogo para manejo das culturas e para caça. Portanto, existe uma demanda urgente de definição da época e intensidade ideais de prescrição do fogo em locais sob diferentes condições ambientais como, por exemplo, regimes de inundação.

Incêndios são responsáveis por aproximadamente um quarto da perda de florestas no mundo. No Brasil, o impacto expresso pela intensidade, frequência histórica e sazonalidade do fogo na vegetação nativa ainda é pouco conhecido. Embora a biota¹ do Cerrado esteja adaptada ao fogo, incêndios antropogênicos (derivados de atividades humanas) ou queimadas em períodos indevidos podem prejudicar a reprodução sexuada de algumas espécies, por meio da queima de diásporos² ou perda da viabilidade de sementes. Pode ainda estimular a germinação de outras espécies aumentando a riqueza e a abundância destas. No entanto, a exclusão do fogo pode, a curto prazo, gerar o acúmulo de biomassa e potencializar a intensidade de futuros eventos de fogo, o que dificulta sua contenção.

O “Projeto Noleedi3 – Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação” é uma iniciativa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que está pesquisando os efeitos do fogo no Cerrado e Pantanal. O projeto é executado na Terra Indígena Kadiwéu, que possui cerca de 540 mil hectares localizados no norte do município de Porto Murtinho, sudoeste de Mato Grosso do Sul.

Ao longo de 36 meses o projeto pretende gerar dados sobre os efeitos do fogo ocorrendo em diferentes épocas (precoce, modal e tardio) na biota da região; verificar a interação dos diferentes padrões de inundação com os efeitos do fogo sobre alguns grupos-chave da biota local; criar de forma cooperativa e com o envolvimento de agentes do Estado, populações tradicionais e pesquisadores um protocolo de manejo do fogo e também um protocolo de avaliação de impactos de incêndios na biota e avaliar o manejo do fogo como uma estratégia de restauração passiva, além de identificar traços que permitam selecionar espécies com potencial para serem utilizadas na restauração de ecossistemas sujeitos ao fogo, de modo a garantir recursos para a manutenção da fauna e o sucesso no recrutamento de novos indivíduos. Também será conhecido o efeito do fogo sobre a reprodução de espécies da flora utilizadas pela comunidade indígena.

Gestão do fogo
O manejo dessas áreas com o uso do fogo por comunidades tradicionais e indígenas vem acontecendo por séculos e este conhecimento é bastante útil para definição de estratégias de gestão. O uso do fogo na época correta, como feito por povos indígenas, gera pouco impacto sobre a fauna e a flora. O uso do fogo por muitas etnias indígenas têm sido relatado como sendo estabelecido criteriosamente em épocas definidas de acordo com períodos de chuva intercalados com curtos períodos de estiagem (Leonel 2000). Ao passo que o abandono desse manejo tem dado espaço a incêndios cada vez mais danosos à vegetação, ao solo e às bacias hidrográficas (Falleiro et al. 2016).

Neste contexto, Prevfogo-Ibama e indígenas na Terra Indígena Kadiwéu desde 2009 vêm trabalhando em parceria com o intuito de propor um manejo adequado do fogo que reduza a ocorrência de incêndios acidentais. Mesmo com importantes avanços já alcançados, ainda restam questões como qual a melhor época para utilizar o fogo como ferramenta de manejo da paisagem.

Os incêndios naturais são componentes integrais dos ecossistemas e, tradicionalmente, povos indígenas têm utilizado o fogo para manejo das culturas e para caça. Portanto, existe uma demanda urgente de definição da época e intensidade ideias de prescrição do fogo em locais sob diferentes condições ambientais como, por exemplo, regimes de inundação.

A ação do fogo em áreas de inundação ainda é pouco conhecida. A investigação do manejo prescrito do fogo, proposta pelo Projeto Noleedi, considerando a interação com a inundação, poderá avaliar se há um incremento na ciclagem de nutrientes, na regeneração natural das espécies da flora, e qual o seu efeito na fauna. O manejo adequado do fogo, impedindo com que ele passe a ser um elemento degradador, mas que seja um elemento particular deste ambiente, pode ser considerado como uma estratégia de restauração.

Muitas vezes os restauradores são os povos indígenas que milenarmente utilizam o fogo como uma ferramenta de restauração para fins de recuperação do solo, controle de espécies indesejadas como pestes, manutenção de habitat para os animais silvestres, diminuição de acúmulo de biomassa que leva a incêndios catastróficos e manejo da reprodução das plantas (Uprety et al. 2012).

Pesquisando o fogo
Desta maneira, o “Projeto Noleedi” objetiva avaliar os efeitos da queima precoce, modal e tardia na biota, adotando como indicadores os grupos utilizados no programa Monitora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): aves, mamíferos, borboletas e moscas frugívoras(4) e plantas vasculares(5). Para isso, os regimes de queima prescrita e controle serão estabelecidos em 20 áreas de 600mx600m com maior ou menor influência do alagamento e do fogo. Todos os grupos serão amostrados antes e após a queima controlada, para estabelecer a época mais oportuna de prescrição do fogo como ferramenta de manejo para a região.

A iniciativa investigará o efeito dos diferentes regimes de fogo e inundação sobre variáveis da biota de riqueza, abundância, composição, diversidade, desenvolvimento estrutural, fenologia(6) reprodutiva de espécies de plantas de interesse da comunidade, sua produtividade e germinação de sementes, além do efeito sobre parâmetros físico-químicos do solo.

“O projeto pretende estudar o efeito do fogo e da inundação nos seres vivos do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai. Ele é um projeto diferente por vários motivos, primeiro por estar sendo feito dentro de uma Terra Indígena, que é uma área pouco estudada, apesar de ser uma área bem grande, e também porque ele não vai ver apenas o efeito pós-fogo, a gente vai manejar o fogo para tentar usá-lo como aliado na preservação. Pretendemos ao final do projeto fazer um protocolo de prescrição de queima de modo que afete o mínimo possível os seres vivos, evitando grandes incêndios acidentais que destroem, além da diversidade dos animais e das plantas, também as áreas de produção, as edificações e tudo mais”, afirma o coordenador do projeto e professor do Instituto de Biociências da UFMS, Danilo Bandini Ribeiro.

Relevância
A pesquisa poderá servir de base para estudos e intervenções em outras regiões do Pantanal, Terras Indígenas que tenham essa mesma demanda e demais áreas úmidas continentais do Brasil e do mundo influenciando, inclusive, políticas públicas. Do ponto de vista científico, o projeto trará novos resultados sobre o efeito do fogo na biota e as possíveis interações entre o fogo e o regime de inundação do Pantanal. Também serão divulgados resultados inéditos sobre a distribuição temporal de borboletas frugívoras na região do Pantanal e a influência do tempo de inundação na distribuição espacial e temporal destes insetos. Os resultados inéditos serão divulgados na forma de dissertações de mestrado e teses de doutorado, artigos científicos em revistas especializadas e reportagens jornalísticas.

Apoio
O Projeto Noleedi foi submetido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e aprovado na “Chamada CNPq/Prevfogo-Ibama Nº 33/2018 – Pesquisas em ecologia, monitoramento e manejo integrado do fogo”, lançada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Prevfogo-Ibama. Com o edital, o CNPq visa propiciar a atuação conjunta com o Prevfogo-Ibama na consecução de projetos de pesquisa científica, tecnológica e/ou de inovação aplicados que visem preencher as lacunas de conhecimento sobre manejo integrado do fogo, com destaque para ecologia e impactos do fogo, monitoramento, prevenção e combate de incêndios florestais, nos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado, preferencialmente nas áreas em que o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) atua.

Executado pela UFMS e pelo Prevfogo-Ibama, o Projeto Noleedi tem duração de 36 meses e iniciou suas atividades em janeiro de 2019. Conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e parceria de diversas instituições: Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul), Fertel (Fundação Estadual Jornalista Luiz Chagas de Rádio e TV Educativa de Mato Grosso do Sul), Funai (Fundação Nacional do Índio), Programa Corredor Azul/Wetlands International/Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), Terra Indígena Kadiwéu e Rede Aguapé de Educação Ambiental do Pantanal.

Baixe AQUI o PDF do projeto Noleedi


Glossário
1. Biota: (do grego βίος, bíos = vida) é o conjunto de todos seres vivos de um determinado ambiente ou de um determinado período. Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre.
2. Diásporo: em botânica, diásporo é uma unidade de dispersão das plantas composta por uma semente ou esporo mais quaisquer tecidos adicionais que ajudem à dispersão. Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre.
3. Noleedi: (pronuncia-se 'nolêd') significa fogo no idioma Kadiwéu.
4. Frugívoro: (do latim frux = fruto; e vorare = comer, devorar) é o animal cuja dieta alimentar é composta principalmente de frutos, não causando prejuízo às sementes de uma planta.
5. Plantas vasculares: são plantas que possuem vasos condutores de seiva. Fonte: https://escolakids.uol.com.br/ciencias/classificacao-das-plantas.htm
6. Fenologia: é o estudo das fases ou atividades do ciclo de vida de plantas ou animais e sua ocorrência temporal ao longo do ano, contribuindo para o entendimento dos padrões reprodutivos e vegetativos de plantas e animais que delas dependem (Morellato, 1995).

Bibliografia consultada
Falleiro, R., Santana, M. T., & Berni, C. R. (2016). As contribuições do Manejo Integrado do Fogo para o controle dos incêndios florestais nas Terras Indígenas do Brasil. Biodiversidade brasileira, 6(2), 88-105.
Leonel, M. (2000). O uso do fogo: o manejo indígena e a piromania da monocultura. Estudos Avançados,14(40), 231-250.
Uprety, Y., Asselin, H., Bergeron, Y., Doyon, F., & Boucher, J. F. (2012). Contribution of traditional knowledge to ecological restoration: practices and applications. Ecoscience, 19(3), 225-237.

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