Projeto Noleedi e WWF-Brasil celebram acordo para estudar os efeitos do fogo na fauna do Pantanal e Cerrado

em 7 de junho de 2021


O “Projeto Noleedi – Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação", por meio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e o Fundo Mundial Para a Natureza (WWF-Brasil) firmaram acordo de cooperação tendo como objetivo a conjunção de esforços para a realização de estudos técnicos sobre os efeitos das queimadas no Pantanal sobre a fauna. O Acordo de Cooperação nº 20/2021-UFMS tem vigência de 14 de abril a 14 de novembro de 2021. Para o coordenador do Projeto Noleedi, o professor doutor Danilo Bandini Ribeiro, o apoio do WWF-Brasil é muito importante porque atualmente vive-se um momento de diminuição de verbas para as pesquisas no Brasil. 


Segundo Ribeiro, o acordo vem sendo costurado há vários meses em conversas com o pesquisador Mauricio Neves Godoi e a Analista de Conservação do WWF-Brasil, Julia Correa Boock. “A gente foi atrás da Julia, do WWF-Brasil, para sabermos da viabilidade e conversando surgiu essa oportunidade. Depois dos incêndios do ano passado, o WWF-Brasil criou um fundo específico para ajudar nas ações dos incêndios do Pantanal e conseguimos desenhar esse acordo de cooperação, colocá-lo no papel e começar essa parceria”, afirma Ribeiro. O coordenador ressalta que os resultados do Projeto Noleedi vão dar uma direção de qual é a melhor época para se fazer o manejo do fogo no Pantanal gerando menor impacto na fauna e flora. “Isso pode ajudar o Pantanal e demais áreas úmidas porque a gente pode criar diretrizes para o uso do fogo que impactem menos a biodiversidade, que é tão importante para o bioma e para o turismo da região.”


Apoio para pesquisas

O WWF-Brasil é uma organização da sociedade civil brasileira que foi criado em 1996 no Brasil com uma primeira atuação com foco na proteção do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). Faz parte de uma rede que está presente em mais de 100 países, desenvolvendo centenas de projetos em várias partes do mundo, com mais de cinco mil colaboradores. É um grupo grande de pessoas dedicadas a tentar mudar a atual trajetória de degradação socioambiental. Neste sentido, o WWF aposta muito na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, apoiando diversos tipos de iniciativas, desde projetos produtivos, de pesquisa, conservação, apoio a organizações de base, da sociedade civil como, por exemplo, grupos indígenas e organizações que trabalham com agroextrativismo. O WWF tem um propósito muito claro que é mudar a atual trajetória de degradação ambiental e promover um futuro no qual a sociedade e a natureza tentem conviver em harmonia. A organização acredita nesse modelo e todo seu trabalho é voltado para as pessoas e a biodiversidade em geral, da qual fazemos parte.


O mestrando em Desenvolvimento Sustentável, Especialista de Conservação e Líder de Respostas Emergenciais da ong WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo, é engenheiro florestal com especialização em gestão ambiental e gestão de Unidades de Conservação. Ele se formou no Chile, onde atuou inicialmente como guarda-parque e depois foi diretor em duas Unidades de Conservação bem relevantes para uma região com pouca representatividade de áreas protegidas como a região central daquele país. Está há mais de 10 anos morando no Brasil, dos quais sete anos trabalhando no WWF-Brasil, onde começou um trabalho de fortalecimento de associações de guardas-parque, muito ligado a capacitações para gestores. Desde sua chegada no WWF-Brasil tem concentrado seu foco de trabalho principalmente na Amazônia, onde foi gestor de projetos e tinha a missão de fazer vários projetos de conservação em diferentes regiões: desde o Acre até o Amapá. Atualmente trabalha num programa que se chama Respostas Emergenciais, que nasce em setembro de 2019, após as graves queimadas e incêndios na Amazônia. “Constituímos um fundo emergencial para tentar apoiar diversas organizações, desde organizações de base, associações comunitárias e até governos para tentar fortalecer a capacidade de resposta frente aos incêndios florestais. Em setembro de 2020 começamos com nossa estratégia para o Pantanal, após o impacto dos incêndios nessa região, onde nosso âmbito de atuação se focou em fortalecer organizações para o combate, mas também dar um suporte e alívio às comunidades que se viram fortemente impactadas pelo fogo”, afirma Gajardo.


Questionado sobre a atuação do WWF-Brasil quando a pauta é fogo, Gajardo afirma que a ong começou atuar mais fortemente após as queimadas de 2020, desenhando uma estratégia específica. “A gente já estava trabalhando algumas pautas um pouco antes. Alguns colegas da equipe do WWF já estavam liderando algumas ações ligadas à prevenção de incêndios florestais como é o caso da campanha de combate aos incêndios florestais Pantanal Sem Cinzas, que foi lançada recentemente, mas foi um processo que começou ser construído desde o início de 2019”, lembra. Hoje, o Pantanal Sem Cinzas é uma campanha que está tendo bastantes resultados interessantes, despertando o interesse de várias organizações para se somarem à iniciativa. O WWF-Brasil também já tinha organizado algumas ações de apoio ao fortalecimento de brigadas comunitárias em parceria com outras organizações da sociedade civil. “Quando começa, em agosto de 2020, a problemática do fogo mais intensamente no Pantanal, embora o fogo ano passado se alastrou desde janeiro, decidimos montar uma estratégia de resposta emergencial. E é aí que nasce essa ação em relação ao fogo, de forma mais estruturada. No caso da Amazônia, foi um pouco antes, em setembro de 2019, que começamos a dar essa resposta emergencial. Nesse sentido, a gente forma um programa de respostas emergenciais com foco na Amazônia e Pantanal, com várias estratégias internas. Por exemplo, para a Amazônia a gente definiu um meio de fortalecer as organizações que combatem os incêndios florestais e também as que trabalham com proteção territorial. Temos ainda um eixo de ajuda humanitária, de ajuda às comunidades impactadas e de apoio a organizações ou lideranças que estão sendo continuamente ameaçadas e pressionadas por grupos ligados ao agronegócio. Em todos esses conflitos socioambientais que existem na Amazônia têm muitos grupos vulneráveis também e a gente começou a dar um apoio nesse sentido”, reforça Gajardo.


Para o Pantanal, o WWF-Brasil definiu quatro linhas específicas, a primeira foi preparar organizações de base e governos para uma resposta rápida aos incêndios florestais, outra linha de ajuda humanitária é levar um pouco de alívio a estas comunidades que foram impactadas pelo fogo, com apoio de cestas básicas, materiais, equipamentos e ferramentas para reconstrução. Também há uma forte linha com pesquisa, que a ong acredita ser fundamental para tentar entender melhor a dinâmica do fogo e do Manejo Integrado do Fogo (MIF). Uma quarta linha é o apoio e resgate de fauna com reabilitação de fauna impactada pelo fogo. “Tudo isso atualmente se transforma numa ação mais estruturada que a gente está apoiando e tentando implementar que é uma estratégia de Manejo Integrado do Fogo (MIF), tanto para o Pantanal quanto para o Cerrado. Neste momento e após a experiência com as respostas emergenciais tanto da Amazônia quanto do Pantanal a gente está começando a desenhar projetos mais estruturantes de apoio para órgãos públicos e comunidades dentro do contexto mais amplo que é o MIF. Neste sentido o MIF tem um componente fundamental que é a pesquisa, daí a importância de se apoiar o Projeto Noleedi”, ressalta Gajardo.


O Projeto Noleedi está pesquisando os efeitos do fogo no Cerrado e Pantanal na Terra Indígena Kadiwéu, no município de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul. Questionamos Osvaldo Gajardo sobre o por quê apoiar uma iniciativa como o Noleedi. “Para a gente é fundamental tentar dar visibilidade e apoiar de alguma forma os projetos de pesquisa que estão sendo desenvolvidos para entender o efeito do fogo tanto no Cerrado quanto no Pantanal. A gente sabe que a pesquisa é um dos componentes do Manejo Integrado do Fogo (MIF) e a gente precisa entender como reagem as espécies arbóreas e da fauna ao fogo, de que forma o manejo do fogo permite melhorar as condições de produtividade em algumas regiões, como a pesquisa sobre o uso do fogo permite prevenir no futuro também incêndios de grande magnitude que, por ter um acúmulo grande de combustível, queimam em uma vasta área geográfica gerando impactos socioambientais bem grandes. Então quando a gente começa a conversar sobre o Projeto Noleedi, ele está dentro da nossa estratégia de apoio à pesquisa e entendemos que é uma excelente oportunidade de poder fortalecer essa linha de trabalho. A questão da pesquisa sobre o fogo ficou tão relevante que recentemente alguns colegas do WWF, junto com o Observatório do Pantanal, convocaram um encontro, um seminário sobre pesquisa do fogo no Pantanal, com objetivo claro de dar visibilidade às pesquisas que estão sendo realizadas no bioma, entre elas o Projeto Noleedi, mas também de entender o efeito prático dessas pesquisas, de que forma elas ajudam quem está na ponta, as pessoas que lidam no dia a dia com a necessidade de utilizar o fogo por alguma questão cultural e como podem fazer isso de forma adequada. Então de que forma as pesquisas ajudam as pessoas que moram no Pantanal a ter um uso melhor da terra? Isso que é fundamental, por isso que a pesquisa e esse tipo de apoio é tão importante”, conclui o especialista.


Efeito do fogo sobre a fauna

No Projeto Noleedi, os estudos técnicos sobre os efeitos das queimadas no Pantanal nas espécies da fauna, especificamente de aves e mamíferos não voadores, são foco da pesquisa científica do ecólogo Mauricio Neves Godoi, da empresa eeCoo Sustentabilidade. Godoi é formado pela Unesp de Rio Claro, interior de São Paulo, e possui mestrado e doutorado em Ecologia e Conservação pela UFMS, campus de Campo Grande, e pós-doutorado na modalidade DCR na UFMS do campus de Aquidauana. Ele trabalha com ecologia de aves e mamíferos não voadores há mais de 15 anos, sempre focado nos estudos desses dois grupos tanto no meio acadêmico como também no meio da consultoria ambiental. Começou seus trabalhos como consultor ambiental em 2007 e desde então vem desenvolvendo estudos técnicos para diversos tipos de empreendimentos, tanto para licenciamento ambiental quanto para certificação florestal e pesquisa científica. Atualmente é sócio da eeCoo Sustentabilidade, que é uma empresa familiar com dois nichos de atuação, o trabalho com embalagens biodegradáveis e compostáveis e consultoria ambiental.


Godoi esclarece mais sobre os efeitos do fogo no meio ambiente, afirmando que nem sempre ele é maléfico para a biodiversidade: “a primeira coisa que precisa ser entendida, que precisa ficar clara, é que o fogo é um elemento natural, principalmente em ambientes savânicos. Então no Pantanal e no Cerrado, que são ambientes tipicamente savânicos, o fogo é um elemento natural, faz parte da natureza, molda a ecologia de muitas espécies e muitas espécies evoluíram acompanhadas pelos eventos de fogo. Algumas espécies, inclusive, se beneficiam com do fogo. Existem várias espécies de plantas que, para a rebrota, frutificação e produção de flores precisam de uma queimada. E algumas espécies de animais se beneficiam, inclusive, com essas queimadas porque elas têm disponibilidade de alimento, por exemplo, com produção de material vegetal novo para elas comerem. Animais pastadores como o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) entre outras espécies que pastam, têm uma grama nova, que rebrota após um evento de queimada. Muitas espécies de plantas produzem frutos e consequentemente os animais frugívoros, após uma queimada, se alimentam dessas frutas, vão se beneficiar com aumento da quantidade de recurso alimentar. Existem espécies de predadores que acompanham uma queimada. Quando você tem uma queimada algumas presas como sapos, serpentes, ratos, ficam expostas e muitas espécies como aves de rapina, por exemplo, conseguem, durante alguns dias de queimada em uma área de campo, se alimentar dessas outras espécies que estão fugindo do fogo. Então existem espécies da fauna que se beneficiam mas por outro lado você tem uma série de espécies que são afetadas negativamente pelas queimadas, principalmente quando essas queimadas fogem do controle. Quando você tem uma queimada que é muito grande, intensa e duradoura ou quando o fogo queima uma área muito grande os bichos não têm para onde fugir e não têm uma área para onde escapar. Então o efeito da queimada depende muito da época que ela ocorre, frequência, intensidade, da matriz no entorno dessa queimada, se existem áreas que podem ser rotas de fuga para as espécies e mesmo serem ocupadas depois da queimada, porque no momento imediato após a queimada aquela área fica sem recurso alimentar, sem abrigo. Então os animais que conseguem fugir eles precisam de várias áreas no entorno que possam abrigá-los. Assim, depende muito de todas essas circunstâncias o efeito das queimadas sobre a fauna”, esclarece o ecólogo.


Segundo Godoi, o primeiro objetivo de seu trabalho no Projeto Noleedi é fazer o levantamento e inventário das espécies que ocorrem em uma determinada região. Através do trabalho de campo, o pesquisador registrará quais são as espécies de aves e de mamíferos de médio e grande porte que existem naquela área. Mamíferos de grande e médio porte são todas as espécies de mamíferos não voadores com exceção dos pequenos mamíferos que são morcegos, roedores e marsupiais. Esses são os dois grupos que vão ser amostrados, que vão ser focados no trabalho de avaliação dos efeitos das queimadas no Pantanal. Outro objetivo, além de inventariar, de determinar quais são as espécies que ocorrem nessas áreas, é verificar o quanto as queimadas afetam essas espécies, quais são as mais afetadas, as menos afetadas, quais as espécies que podem ser utilizadas como bioindicadoras de queimada intensa, frequente, se tem algum tipo de espécie, por exemplo, que é excluída de áreas muito queimadas, se há algum tipo de espécie que é beneficiada por áreas muito queimadas. “Nós vamos tentar entender através das respostas ecológicas de cada espécie de aves e mamíferos que estão sujeitas às queimadas no Pantanal se algumas das respostas podem ser utilizadas com bioindicadoras para avaliar o impacto das queimadas no bioma”, esclarece.


Sobre os resultados esperados com as pesquisas, Mauricio Godoi afirma que pretende saber como as espécies de aves e mamíferos de médio e grande porte são afetadas pelo fogo no Pantanal e Cerrado, inclusive em queimadas muito intensas praticadas fora da época correta. Os estudos também devem responder o quanto que queimadas menos intensas afetam as espécies da fauna, qual é a relação entre a intensidade das queimadas com a conservação da fauna no Pantanal e como as inundações típicas do bioma afetam essa interação. “Basicamente a gente quer entender também, dentre as espécies todas que são afetadas ou não, quais dessas espécies podemos utilizar como bioindicadoras, quais dessas espécies podem mostrar para a gente o quanto uma queimada foi ou não foi intensa. Através de dados científicos podemos mostrar, identificar espécies que podem mostrar estes padrões para a gente. Além de tudo, existe um objetivo muito importante do projeto que é criar um protocolo de manejo adequado, inteligente do uso do fogo para queimadas controladas no Pantanal. Os dados científicos que vamos coletar podem nos demonstrar que em determinado grau de intensidade as queimadas podem afetar pouco a fauna e a partir de determinado nível de intensidade as queimadas podem afetar demais a fauna. Então através desses dados a gente pode não só identificar os bioindicadores dentre as espécies de aves e mamíferos para utilizar, avaliar os impactos das queimadas no Pantanal, mas também criar protocolos para uso correto do fogo, levando em consideração a época, o grau e a intensidade das queimadas para usar o fogo como uma ferramenta de manejo dentro do Pantanal para evitar queimadas maiores que afetam negativamente a fauna como um todo”, conclui o pesquisador.


Sobre o projeto

O Projeto Noleedi teve seu início em janeiro de 2019. É uma iniciativa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Prevfogo-Ibama. Com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto está pesquisando os efeitos do fogo na biota do Cerrado e Pantanal e suas interações com o regime de inundação na Terra Indígena Kadiwéu, que possui cerca de 540 mil hectares localizados no norte do município de Porto Murtinho, sudoeste de Mato Grosso do Sul. Noleedi, no idioma Kadiwéu significa fogo.


O projeto pretende gerar dados sobre os efeitos do fogo ocorrendo em diferentes épocas (precoce, modal e tardio) na biota da região, ou seja, no conjunto de todos seres vivos de um determinado ambiente ou de um determinado período; também vai verificar a interação dos diferentes padrões de inundação com os efeitos do fogo sobre alguns grupos-chave da biota local.


O Noleedi também vai criar de forma cooperativa e com o envolvimento de agentes do Estado, populações tradicionais e pesquisadores um protocolo de manejo do fogo e um protocolo de avaliação de impactos de incêndios na biota. Ainda vai avaliar o manejo do fogo como uma estratégia de restauração passiva, além de identificar traços que permitam selecionar espécies com potencial para serem utilizadas na restauração de ecossistemas sujeitos ao fogo. Assim, deve garantir recursos para a manutenção da fauna e o sucesso no recrutamento de novos indivíduos. Também será conhecido o efeito do fogo sobre a reprodução de espécies da flora utilizadas pela comunidade indígena.


O Projeto Noleedi conta com apoio do CNPq e parceria de diversas instituições, entre elas: Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul), Fertel (Fundação Estadual Jornalista Luiz Chagas de Rádio e TV Educativa de Mato Grosso do Sul), Funai (Fundação Nacional do Índio), Programa Corredor Azul/Wetlands International/Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), Terra Indígena Kadiwéu, Rede Aguapé de Educação Ambiental do Pantanal, Fundo Brasileiro Para a Biodiversidade (Funbio), Instituto Humanize, eeCoo Sustentabilidade e WWF-Brasil.

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