Com novas parcerias, Projeto Noleedi estuda o pau-santo e efeito do fogo sobre mamíferos

em 20 de dezembro de 2022

Professor Danilo Bandini Ribeiro em palestra na Universidade de Anger, na França.

O Projeto Noleedi, que desde 2019 investiga os efeitos do fogo e inundação na biodiversidade, com objetivo de estabelecer um protocolo da melhor época de queima controlada para atender a uma demanda dos povos indígenas Kadiwéu no Pantanal e Cerrado em parceria como Prevfogo/IBAMA, estabeleceu novas parcerias que vão enriquecer as pesquisas. Uma delas é com a Universidade de Angers, da França, a outra é com o Laboratório de Ecologia da Intervenção (LEI), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e, no primeiro semestre de 2022, o projeto teve uma reaproximação com a ONG Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan)/Wetlands International. Com a Mupan, o Projeto Noleedi ganhou apoio para elaborar o Manual de Boas Práticas Para Uso do Fogo, que será construído em parceria com a comunidade que mora na Terra Indígena (TI) Kadiwéu, e para estudar o pau-santo (Bulnesia sarmientoi Lorentz ex Griseb). “Isso é muito importante porque a Mupan já tem bastante penetração na Terra Indígena e já fazem esse trabalho de levantar as demandas da população e uma das preocupações é a questão do fogo”, afirma o professor da UFMS e coordenador do Projeto Noleedi, Danilo Bandini Ribeiro. A Mupan/Wetlands International também vai contribuir na produção de outros materiais em conjunto com o Noleedi.


Em junho, uma viagem à França do professor Danilo Ribeiro, por meio do Programa de Pós-Doutorado com Experiência no Exterior (CAPES-PRINT/UFMS), resultou em uma importante parceria. Ribeiro palestrou sobre sua linha de pesquisa para alunos de graduação e pós-graduação da Angers. O intercâmbio resultou em trabalho conjunto da UFMS com professores especialistas em mamíferos de Savanas da Angers sobre o efeito do fogo nos mamíferos de médio e grande porte. O Projeto Noleedi já tem dados coletados na Terra Indígena Kadiwéu e também está fazendo o Estado da Arte do Fogo e uma revisão sobre o que se sabe sobre o efeito do fogo em áreas úmidas na fauna, incluindo os vertebrados e invertebrados. “Como a Terra Indígena Kadiwéu é em grande parte Savana, o Cerrado que ocorre no Brasil, com uma transição entre o Cerrado e o Pantanal, a gente pegou nossos dados de mamíferos e estamos em parceria com eles (Universidade de Angers) para ver de uma maneira mais refinada como os diferentes regimes de fogo afetam essa comunidade de mamíferos. Foi uma parceria muito produtiva porque além desse trabalho sobre os mamíferos a gente também está fazendo uma revisão sobre os efeitos do fogo na biodiversidade como um todo e a gente espera conseguir boas respostas para poder aplicar nos nossos próximos estudos”, revela Ribeiro.



Já com o Laboratório de Ecologia e Intervenção (LEI/UFMS) a parceria com o Noleedi vem de longa data. A ação mais recente envolve pesquisas sobre o pau-santo que no idioma Kadiwéu recebe o nome de “Elegigo”. A espécie tem um perfume doce e agradável. Cheirar essa planta é uma experiência inconfundível. O aroma vem do seu óleo essencial conhecido por "guaiacol", que é responsável pelo seu perfume e, por isso, também é usado como incenso natural. Em alguns países o pau-santo está ameaçado de extinção, mas no Brasil ainda não se encontra na lista das espécies ameaçadas. O pau-santo serve como repelente e tem uso medicinal. Queimar lascas da madeira do pau-santo funciona para afastar picadas de mosquito, enquanto a sua resina pode te ajudar a cicatrizar alguma ferida feita no meio do Pantanal, em casos de emergência. Também possui relevância cultural. Quando o galho do pau-santo é cozido, libera uma resina que é usada para dar o brilho preto típico e único no grafismo das cerâmicas Kadiwéu. Em parceria com o Projeto Noleedi o LEI/UFMS transformou o pau-santo em objeto de pesquisa. Os estudos e a busca por essa planta começaram por uma demanda da comunidade indígena Kadiwéu da Aldeia Alves de Barros, onde está localizada a Associação de Mulheres Ceramistas. Elas estão enfrentando dificuldades para encontrar o pau-santo na região. No Pantanal, só tem sido encontrado em áreas muito remotas. “A questão do pau-santo sempre foi uma preocupação da comunidade já que é muito importante para as cerâmicas Kadiwéu e a gente tinha essa ação dentro do Projeto Noleedi, só que a gente não teve perna para fazer tudo isso, principalmente por causa das contigências, tanto dos grandes incêndios que ocorreram na Terra Indígena Kadiwéu, quanto da pandemia de Covid-19 que afetou muito nosso trabalho de campo. Então conseguimos dar continuidade nessa proposta através do projeto do LEI/UFMS”, revela o coordenador do Projeto Noleedi, Danilo Bandini Ribeiro. Em parceria com a Mupan/Wetlands International o Noleedi está apresentando os pesquisadores do LEI/UFMS para a comunidade.



A professora da UFMS, coordenadora do LEI e do Projeto Estado de Conservação, Restauração Ecológica e Cadeia Produtiva de Espécies Vegetais Nativas de Interesse Indígena no Pantanal, Letícia Couto Garcia, afirma que o Projeto Noleedi é como se fosse um projeto bem maior, bem mais abrangente, que visa avaliar o efeito do fogo e da inundação em vários organismos como plantas e animais, e como o pau-santo é uma planta de interesse dos Kadiwéu por conta da resina que ele tem, importante para a fabricação das cerâmicas típicas dos Kadiwéu, o Laboratório de Ecologia da Intervenção resolveu elaborar um projeto específico focado somente nessa espécie, com uma abrangência de algumas outras também. O projeto é financiado pelo Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade), no âmbito do Projeto GEF Terrestre, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. Na Terra Indígena Kadiwéu, o LEI/UFMS,  em conversa com moradores locais, está fazendo primeiro o levantamento de onde potencialmente essa espécie poderia ocorrer e, também, o laboratório tem buscado indivíduos do pau-santo para conhecer quais são as estratégias reprodutivas dessa planta. “A gente está investigando a reprodução dela, quando ela vai dar flor, quando vai dar fruto, a questão de como reproduzir, se a gente vai utilizar quais partes dessa planta para sua reprodução e também vamos fazer um levantamento dos efeitos do ambiente sobre a ocorrência dessa espécie para investigarmos qual seria a melhor forma da gente reproduzí-la para que chegue mais próxima das comunidades e, quem sabe, as comunidades se tornarão polos de produção dessa espécie no futuro, com viveiros que estão sendo implantados. Então eles poderiam vender essa espécie ou produzir para uso próprio”, revela Letícia Couto Garcia. O pau-santo e uma planta que tem distribuição não só no Brasil, onde sua ocorrência é periférica. Em outros países, a espécie já está ameaçada de extinção segundo a IUCN (União Internacional Para a Conservação da Natureza), que é uma das instituições que avaliam o grau de ameaça de determinadas espécies. Outro dos principais objetivos das pesquisas do LEI/UFMS é estudar a situação do pau-santo no Brasil e, quem sabe, conseguir reproduzí-lo para fins de restauração, fortalecendo a cadeia de produção de sementes e de mudas na região do Pantanal.




As pesquisas sobre o pau-santo também têm apoio da Mupan/Wetlands International, que desde 2018 atua junto à Terra Indígena Kadiwéu, quando foi identificada a necessidade da criação de um Plano de Gestão Territorial para a comunidade. O plano é uma forma de pensar o território, de pensar a gestão dessa área e a conservação tanto dos modos de vida da comunidade quanto da terra no geral. A Mupan/Wetlands International facilitou essa documentação, todo esse processo junto à comunidade e nesse plano foram surgindo várias demandas, principalmente ambientais. Dentre as demandas apareceu a necessidade de um estudo sobre o fogo, que acontece no território desde sempre, para se entender um pouco da dinâmica entre fogo e inundação, fogo e água. Foi aí que se iniciou a parceria com o Projeto Noleedi, que desde sua elaboração teve apoio da Mupan/Wetlands International, que atuou facilitando junto à comunidade Kadiwéu a inserção da equipe Noleedi.



A coordenadora do componente Modos de Vida da Wetlands International e também membro da Mupan, Lilian Ribeiro Pereira, afirma que o Plano de Vida dos Kadiwéu ainda contemplou a necessidade de estudar melhor o pau-santo. “A comunidade apresentou a necessidade de fazer uma avaliação de quando e onde ocorria essa espécie e também uma forma de trazê-la mais próxima dela. Com isso estão nascendo outras parcerias junto ao Noleedi e agora com o LEI, e nós, Mupan/Wetlands, entramos aí com a facilitação também em relação ao viveiro de mudas. Essa espécie vai precisar ir para um viveiro, ela vai precisar estar próxima à comunidade e a comunidade fazer esse cuidado”, lembra Lilian Pereira. Com apoio da Mupan/Wetlands International, objetivando também recuperar outras espécies que são importantes para a cultura Kadiwéu, um viveiro foi construído na Aldeia Barro Preto.


O Projeto Noleedi


O Projeto Noleedi é uma iniciativa da UFMS e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que está pesquisando os efeitos do fogo no Cerrado e Pantanal. O projeto é executado desde janeiro de 2019 na Terra Indígena Kadiwéu, que possui cerca de 540 mil hectares localizados no norte do município de Porto Murtinho, sudoeste de Mato Grosso do Sul.


Noleedi é a denominação para fogo no idioma Kadiwéu. Ao longo de sua execução, o Projeto pretende gerar dados sobre os efeitos do fogo ocorrendo em diferentes épocas (precoce, modal e tardio) na biota da região; verificar a interação dos diferentes padrões de inundação com os efeitos do fogo sobre alguns grupos-chave da biota local; criar de forma cooperativa e com o envolvimento de agentes do Estado, populações tradicionais e pesquisadores um protocolo de manejo do fogo e também um protocolo de avaliação de impactos de incêndios na biota e avaliar o manejo do fogo como uma estratégia de restauração passiva, além de identificar traços que permitam selecionar espécies com potencial para serem utilizadas na restauração de ecossistemas sujeitos ao fogo, de modo a garantir recursos para a manutenção da fauna e o sucesso no recrutamento de novos indivíduos. Também será conhecido o efeito do fogo sobre a reprodução de espécies da flora utilizadas pela comunidade indígena.


Os incêndios naturais são componentes integrais dos ecossistemas e, tradicionalmente, povos indígenas têm utilizado o fogo para manejo das culturas e para caça. Portanto, existe uma demanda urgente de definição da época e intensidade ideais de prescrição do fogo em locais sob diferentes condições ambientais como, por exemplo, regimes de inundação.


A ação do fogo em áreas de inundação ainda é pouco conhecida. A investigação do manejo prescrito do fogo, proposta pelo Projeto Noleedi, considerando a interação com a inundação, poderá avaliar se há um incremento na ciclagem de nutrientes, na regeneração natural das espécies da flora, e qual o seu efeito na fauna. O manejo adequado do fogo, impedindo com que ele passe a ser um elemento degradador, mas que seja um elemento particular deste ambiente, pode ser considerado como uma estratégia de restauração. 


O Projeto Noleedi conta parceria de diversas instituições, entre elas: Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul), Fertel (Fundação Estadual Jornalista Luiz Chagas de Rádio e TV Educativa de Mato Grosso do Sul), Funai (Fundação Nacional do Índio), Programa Corredor Azul/Wetlands International/Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), Terra Indígena Kadiwéu, Rede Aguapé de Educação Ambiental do Pantanal, Fundo Brasileiro Para a Biodiversidade (Funbio), Instituto Humanize, eeCoo Sustentabilidade e WWF-Brasil.

*Texto com colaboração de Alicce Rodrigues

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