Projeto Noleedi mapeia histórico de áreas queimadas na TI Kadiwéu com uso de softwares livres

em 4 de setembro de 2019

Equipe do projeto Noleedi em reunião para pré definição de plots. Foto: Fernanda Prado
Tecnologia para pesquisar o fogo - Aliando as tradicionais técnicas de manejo de fogo dos indígenas Kadiwéu com a tecnologia disponível atualmente, o "Projeto Noleedi¹ - Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação" obteve, por meio de softwares livres e imagens de satélite gratuitas, uma série de mapas da Terra Indígena como áreas inundadas, altimetria e declividade, logística e vegetação.

O projeto mapeou o histórico de áreas queimadas no Pantanal, especialmente na TI Kadiwéu, utilizando classificação para estudar a região. As informações sobre a variação espaço-temporal de regiões sujeitas a incêndios da vegetação nativa estão sendo essenciais para compreender seus padrões e fatores direcionadores. Uma das formas de se obter essas informações é por meio do mapeamento histórico de áreas queimadas através de Sistemas de Informação Geográfica (SIGs).

O Projeto Noleedi optou por utilizar um método eficiente, de baixo custo e de rápida execução para o mapeamento de áreas queimadas. A região estudada (TI Kadiwéu) está localizada na transição entre os biomas Cerrado e Pantanal e os dados são do período de 2001 a 2018. As informações sobre focos de calor (queimadas ou incêndios florestais) são do Banco de dados BD-Queimadas, criado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para guiar a obtenção das imagens. O projeto selecionou e baixou apenas imagens cujas datas coincidiam com os focos de calor, reduzindo o número total de imagens analisadas.

Os pesquisadores ainda utilizaram imagens do satélite MODIS-Terra produto Vegetation Indices (MOD13Q1 v.6). As imagens foram pré-processadas (cortadas e reprojetadas) no software Qgis e importadas para o software Spring, onde foram classificadas. Neste trabalho foi utilizado um método não-supervisionado pixel-a-pixel, com o classificador Kmédias, configurado para 9 temas e 100 iterações².

Para validar as informações geradas, o projeto comparou os resultados a uma vetorização manual realizada com imagens da série Landsat em um período de 7 anos (2008 a 2014). A classificação do Projeto Noleedi teve em média resultados com áreas 10% maiores ou menores que a vetorização manual. Essa variação é esperada já que as imagens utilizadas apresentam resoluções espaciais diferentes. O baixo valor de variação obtido, na comparação entre a classificação manual e o método do projeto, mostra sua eficiência no mapeamento histórico das áreas queimadas.

De 2001 a 2018, durante 17 anos, o Projeto Noleedi concluiu que foram queimados na Terra Indígena, em média, 124.217,9 hectares ou 23,9% de sua área total de 540 mil hectares. Nos resultados das análises, o ano de 2005 apresentou maior área queimada, com 316.624,2 ha, 61% da área total, e 2014 registrou a menor área queimada, 23.039,1 ha, 4,4% da área total. Os dados agora contribuirão para as pesquisas sobre os efeitos do fogo na biota do Cerrado e Pantanal e suas interações com o regime de inundação na TI Kadiwéu.

“Nessa primeira etapa do trabalho, onde produzimos todos esses mapas, um deles, que foi o principal, o mapa de histórico de área queimada, conseguimos observar que dentro da Terra Indígena existe uma variação entre os anos nessas áreas queimadas, ou seja, tem ano que queima muito e tem ano que queima pouco. As causas dessa variação entre os anos, o porquê um ano queima mais ou o porquê um ano queima menos, serão investigadas numa segunda etapa do projeto, onde vamos buscar quais são os fatores e o que influencia dentro dessas áreas queimadas, observando se é influência climática ou outras influências locais”, afirma Maxwell da Rosa Oliveira, mestrando de Biologia Vegetal pela UFMS e responsável técnico na área de geoprocessamento do Projeto Noleedi.

Mapas de frequência de fogo na TI Kadiwéu mostram a grande diferença de incidência de fogo entre um ano e outro.
Metodologia de livre uso
Os resultados obtidos pela equipe de geoprocessamento do Projeto Noleedi, associados ao custo e tempo de processamento, permitem que a metodologia seja amplamente utilizada com o objetivo de mapear o histórico de queimadas em grandes escalas espaciais e temporais, podendo ser replicado para outras regiões do Pantanal e Cerrado ou de outros biomas do Brasil e do mundo. Isto se deve à escolha do projeto por utilizar softwares livres e imagens de satélites gratuitas, garantindo resultados acurados e um método que passa a ser acessível a todos os públicos.

Os trabalhos também serão divulgados durante a Conferência Internacional sobre Incêndios Florestais (Wildfire), que acontece de 28 de outubro a 1º de novembro de 2019, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Um dos principais objetivos da Wildfire é a troca de conhecimentos entre profissionais de todas as nacionalidades ligados ao manejo do fogo e ao controle de incêndios florestais. Participam do evento tomadores de decisão, autoridades, técnicos, pesquisadores e brigadistas. Entre as atividades da Conferência estão o debate e a divulgação de trabalhos sobre os impactos do fogo em comunidades, recursos e ecossistemas em diversas regiões do mundo. A Conferência promove cooperação internacional e ajuda humanitária, consolidando a Estratégia Global para gerenciamento de incêndios e manejo do fogo. O evento também abre espaço para que empresas, instituições de pesquisa e especialistas exponham novas tecnologias, produtos e métodos para manejo do fogo e controle de incêndios florestais.

União de conhecimentos define áreas de estudo
Com o mapeamento do histórico de queimadas na TI Kadiwéu, e também com a produção, a partir de dados de instituições parceiras e imagens de satélites disponíveis gratuitamente, de mapas da vegetação, relevo, áreas inundadas e logística, com localização das aldeias, o Projeto Noleedi inicia a fase de definição das áreas (plots) onde serão efetuadas as experiências de queima controlada.
Os dados ajudam a pré-selecionar áreas onde há a incidência de inundação e fogo (locais com histórico menor ou maior de queima, seja provocada – controlada ou não, ou natural, ocorrida por raios, por exemplo). Após as visitas de amostragem, deverão ser escolhidas seis áreas para as pesquisas antes, durante e após a experiência de queima controlada.

A Terra Indígena tem 540 mil hectares e para pré-definir os locais dos plots foi feita uma força tarefa com trocas de conhecimentos e uso de tecnologias entre a equipe executora, membros da comunidade e instituições parceiras.

O analista ambiental do Prevfogo-Ibama, Alexandre de Matos Martins Pereira, por exemplo, junto com brigadistas locais, repassou seu conhecimento em logística, apontando as áreas próximas a acessos terrestres (estradas, trilhas, picadas, etc.).

A equipe da ONG Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan) colaborou com as informações contidas no mapa etnogeográfico elaborado durante a construção do Plano de Vida da TI Kadiwéu – documento que reúne informações sobre a região e as comunidades ali existentes para auxiliar na elaboração de políticas públicas. O Plano de Vida foi realizado em oito meses. Para isso, foram feitas várias visitas às comunidades locais. Os vários levantamentos por GPS, georeferenciamento (quantidade de casas, pessoas, matas próximas) e imagens de drone, que geraram um completo mapa de localização das aldeias e natureza do entorno, foram cruzados com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e com etnomapas elaborados pela percepção da própria comunidade. "As informações do mapa etnogeográfico, somadas às demais informações da equipe de geoprocessamento do Projeto Noleedi e do Prevfogo-Ibama supriram essa demanda de logística que, se não verificada antes, poderia atrasar muito o andamento das atividades. Muito bom também saber que o Plano de Vida, que acabou de ser validado pelas lideranças da TI Kadiwéu, já está contribuindo com a região", avalia o colaborador da Mupan, Pedro Paulo Cristofori.

Duas viagens de pesquisadores e técnicos foram feitas até a TI Kadiwéu, outras ainda deverão ocorrer até que sejam definidos os plots. Além disso, também estão sendo realizadas coletas de amostras de flora para identificação de espécies importantes para a conservação e interessantes para a comunidade local (para geração de renda, segurança alimentar, entre outros objetivos).

Participam do mapeamento do histórico de áreas queimadas na TI Kadiwéu e dos trabalhos de geoprocessamento os pesquisadores Maxwell da Rosa Oliveira, do Programa de Pós-graduação em Biologia Vegetal da UFMS; Alexandre de Matos Martins Pereira, do Prevfogo-Ibama em Mato Grosso do Sul; Aline Alves Lopes, do Programa de Pós Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre da UFMG; Danilo Bandini Ribeiro, Fábio de Oliveira Roque, Letícia Couto Garcia e Geraldo Alves Damasceno Júnior, do Instituto de Biociências da UFMS; Evaldo Benedito de Souza e Fábio Padilha Bolzan, do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da UFMS e Pedro Paulo Cristofori, colaborador da ONG Mupan.

O Projeto Noleedi
O Projeto Noleedi foi submetido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e aprovado na “Chamada CNPq/Prevfogo-Ibama Nº 33/2018 – Pesquisas em ecologia, monitoramento e manejo integrado do fogo”, lançada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Prevfogo/Ibama. Com o edital, o CNPq visa propiciar a atuação conjunta com o Prevfogo/Ibama na consecução de projetos de pesquisa científica, tecnológica e/ou de inovação aplicados que visem preencher as lacunas de conhecimento sobre manejo integrado do fogo, com destaque para ecologia e impactos do fogo, monitoramento, prevenção e combate de incêndios florestais, nos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado, preferencialmente nas áreas em que o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) atua.

Ao longo de 36 meses o projeto pretende gerar dados sobre os efeitos do fogo ocorrendo em diferentes épocas (precoce, modal e tardio) na biota da região; verificar a interação dos diferentes padrões de inundação com os efeitos do fogo sobre alguns grupos-chave da biota local; criar de forma cooperativa e com o envolvimento de agentes do Estado, populações tradicionais e pesquisadores um protocolo de manejo do fogo e também um protocolo de avaliação de impactos de incêndios na biota e avaliar o manejo do fogo como uma estratégia de restauração passiva, além de identificar traços que permitam selecionar espécies com potencial para serem utilizadas na restauração de ecossistemas sujeitos ao fogo, de modo a garantir recursos para a manutenção da fauna e o sucesso no recrutamento de novos indivíduos. Também será conhecido o efeito do fogo sobre a reprodução de espécies da flora utilizadas pela comunidade indígena.

Executado pela UFMS e Prevfogo/Ibama, o Projeto Noleedi tem duração de 36 meses e iniciou suas atividades em janeiro de 2019. Conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e parceria de diversas instituições: Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul), Fertel (Fundação Estadual Jornalista Luiz Chagas de Rádio e TV Educativa de Mato Grosso do Sul), Funai (Fundação Nacional do Índio), Programa Corredor Azul/Wetlands International/Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), Terra Indígena Kadiwéu e Rede Aguapé de Educação Ambiental do Pantanal.

Ouça Aqui o Podcast 3 do Projeto Noleedi, que trata  sobre o tema Mapeamento 

Glossário
1. Noleedi: (pronuncia-se 'nolêd') significa fogo no idioma Kadiwéu.
2. Iteração: é o processo chamado na programação de repetição de uma ou mais ações. É importante salientar que cada iteração se refere a apenas uma instância da ação, ou seja, cada repetição possui uma ou mais iterações. Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre.

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